A expansão silenciosa do Direito Penal Econômico sob o discurso da risco-prevenção
- Luis Vasconcelos Maia
- há 3 dias
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Atualizado: há 2 dias

O Direito Penal moderno tem evoluído sob influências estruturais que transcendem o campo normativo. A complexificação dos mercados, a globalização financeira e a descentralização das decisões econômicas geraram riscos sistêmicos, interdependentes e, muitas vezes, invisíveis, que desafiam as formas clássicas de responsabilização e tensionam os limites do poder punitivo.
A teoria da sociedade de risco, de Ulrich Beck, incorporada ao campo jurídico, propõe uma releitura das instituições sob a ótica da superprodução de riscos. Eventos como colapsos financeiros, fraudes fiscais, manipulações de mercado e crimes ambientais deixam de ser exceções e passam a integrar o funcionamento esperado de estruturas complexas. Essa realidade transforma a forma como o Estado identifica, regula e responde a comportamentos potencialmente lesivos.
No Direito Penal Econômico, essa transição justifica a ampliação da intervenção punitiva, agora voltada à prevenção de riscos abstratos. O modelo repressivo cede espaço à antecipação penal, com foco na preservação de bens supraindividuais — como a ordem econômica e o sistema financeiro. O sistema penal, assim, atua de modo preventivo, simbólico e por vezes abstrato.
Esse paradigma leva à expansão dos tipos penais, à diluição de requisitos como dolo e resultado, e à responsabilização com base em deveres formais. Crimes como gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e delitos contra o mercado de capitais operam sob categorias normativas amplas, com presunções de dolo e imputações por omissão ou infração de dever.
Embora politicamente justificável, essa lógica preventiva gera tensões relevantes. A primeira delas afeta o princípio da legalidade: quanto mais abstrato o tipo penal, maior o risco de arbitrariedade. Em seguida, desloca-se o foco da responsabilidade da conduta concreta para o risco gerado ou a posição funcional ocupada. A culpabilidade tende a ser substituída por uma lógica de imputação funcional.
Nesse contexto, a defesa penal torna-se mais complexa. É preciso desconstruir acusações baseadas em modelos de responsabilidade objetiva travestida de dolo eventual e resistir à criminalização de infrações meramente administrativas. A estratégia exige análise interdisciplinar, compreensão da regulação setorial, reconstrução da cadeia decisória e crítica ao conceito de risco penal atribuído ao acusado.
Também se impõe o controle das distorções geradas pela antecipação punitiva. A culpabilidade prévia, muitas vezes já presente na investigação ou em medidas cautelares, deve ser enfrentada com rigor. O uso abusivo de sequestros, prisões por “risco sistêmico” e sanções patrimoniais exige resposta técnica pautada no devido processo, na presunção de inocência e na culpabilidade subjetiva.
Sob o discurso da gestão de riscos, instala-se por vezes um sistema penal de exceção, seletivo e simbólico. A criminalidade econômica converte-se em instrumento de afirmação estatal e compensação de falhas regulatórias, com imputações de natureza política ou econômica travestidas de ilícitos penais.
O desafio está em compatibilizar a resposta penal aos riscos contemporâneos com os limites constitucionais da punição. O simples fato de uma conduta gerar risco não basta para sua criminalização. O risco deve ser qualificado, a conduta individualizada e a imputação subjetiva. A prevenção não pode legitimar a erosão de garantias fundamentais.
Num cenário de hipercomplexidade econômica e hiperexpansão do poder punitivo, cabe à advocacia penal estratégica resgatar os contornos racionais do Direito Penal: identificar excessos, delimitar imputações, evidenciar a ausência de dolo e reafirmar a culpabilidade como critério de punição. A defesa deve, também, atuar sobre o discurso, combatendo narrativas vazias, conceitos genéricos e acusações moralizantes.
O Direito Penal atravessado pela lógica da sociedade de risco exige do defensor não apenas técnica jurídica, mas leitura crítica do contexto normativo, político e institucional. É nesse ambiente que se consolida a advocacia penal comprometida não apenas com o acusado, mas com os limites do próprio poder de punir.
Se você está sendo investigado ou processado por crime econômico, uma análise técnica, à luz das especificidades da nova realidade penal, é essencial.
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